Fiéis deste Município do Sertão Central, distante cerca de 280Km da Capital, promoveram, ontem, mais uma Caminhada da Seca. O ato relembra as centenas de vidas perdidas em consequência da estiagem de 1932, uma das piores no Estado. Conforme os organizadores, a Caminhada reuniu um público de seis mil pessoas, chegando à sua 34ª edição neste ano. A quantidade ficou abaixo do que era esperado, mas segue um número que tem se mantido ao longo dos anos.
A homenagem às vítimas da estiagem emocionou o povo e renovou a fé na esperança de dias melhores. A concentração começou por volta de 4h30 da manhã, em frente à Igreja Matriz, no Centro de Senador Pompeu. Cerca de uma hora depois, os fiéis saíram em cortejo em direção à barragem do Açude Patú, por uma estrada de terra batida. A maioria estava vestida de branco e caminhava com pés descalços.
O cortejo seguiu até o Cemitério da Barragem, onde uma missa foi celebrada pelo bispo da Diocese de Iguatu, dom Edson de Castro Homem, e concelebrada pelos padres Anastácio Ferreira de Oliveira, também de Iguatu, e João Melo dos Reis, de Senador Pompeu. Segundo relatos históricos, no Cemitério da Barragem estaria enterrada a maioria dos mais de dois mil mortos naquele ano. Todos teriam morrido em virtude da falta de comida, água e cólera, e foram enterrados como indigentes.
Emoção
A missa levou os fiéis a uma reflexão com a homenagem aos mortos, o que despertou muita emoção. Expedita Alves Silva, 73, compreende a Caminhada da Seca como uma forma de relembrar o doloroso momento vivido pelos moradores da época. "É uma homenagem ao sofrimento daquele povo", disse.
A sensação de emoção era única, compartilhada por mulheres, idosos, crianças, jovens e homens. Valdo Fernandes relembra que, mesmo prestes a completar 100 anos da estiagem de 1932, "Não tem como esquecer e relembrar este momento traz sempre muita emoção. O pessoal daqui era um povo muito sofrido", completou.
Na compreensão do padre Anastácio o ato simbólico impulsiona a expressão de uma fé pura. "Esse espaço foi se tornando mais sagrado porque a fé está ali presente e viva. Não foi a Igreja que inventou e criou o ambiente, mas o povo que reconhece o espaço como sagrado. E, de fato, é. O suor, o sangue, o sofrimento, as dores que eles passaram aqui ficaram registrados neste chão", explicou o religioso.
Campos de concentração
A Caminhada se tornou tradicional no segundo domingo de novembro. Ela já era tradição na cidade mas só foram oficializadas na década de 1980, a pedido do povo, pelo padre Albino Donati, falecido há dois anos.
O movimento recebe o apoio do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da cidade e vem crescendo graças ao gesto de fé e respeito de não esquecer o sofrimento de conterrâneos.
Com a ajuda de amigos e pesquisadores da historia da cidade, o radialista Walter Lima produziu um mini documentário sobre a história de 1932. Trabalhadores que fugiam da escassez de recursos com a seca, se refugiavam na cidade e acabavam morrendo aos montes em locais que ficaram conhecidos como "Campos de Concentração", em semelhança aos campos de extermínio nazista de Auschwitz. A produção pode ser assistida na Internet, no YouTube.
Para Walter, os mortos acabaram padecendo na miséria por descaso. Rememorá-los seria uma forma de pedir por Justiça e por tempos mais prósperos, ao mesmo tempo. "Eles eram atraídos para uma proposta de emprego para não invadirem a Capital, e, daqui, não conseguiam sair mais. O que fica para as pessoas é a lembrança de um acontecimento histórico. Essa Caminhada é um alerta", frisa.
Diário do Nordeste
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