Bruna Rodrigues, de 33 anos, é natural de São Paulo, e vive no Ceará há seis anos, desde que se tornou juíza de Direito – e percebeu a presença do racismo em todas as esferas 996324895
RACISMO NUNCA, RACISMO JAMAIS. RACISMO TÔ FORA
A ficha de que a sujeição à violência estava na própria pele só caiu para Bruna Rodrigues, 33, quando ela se tornou juíza de Direito. Natural de São Paulo e oriunda “de uma família humilde, com todas as dificuldades inerentes a quem teve que estudar em escola pública”, a magistrada é titular da Vara Única de Paracuru, na Região Metropolitana de Fortaleza, e confessa ter imaginado que a profissão blindaria os ataques racistas – mas segue vivenciando situações de violência.
“Pensei que, quando me tornasse juíza, não passaria mais por situações racistas, que isso era atrelado às condições sociais e financeiras. Foi uma ilusão. Mesmo hoje, estando na maior classe social e tendo um dos melhores salários do País, vivo o racismo todos os dias, inclusive no exercício da magistratura. É algo visual, é de cor, é a pele. A pessoa pode ser pobre ou rica: ela é negra”, sentencia Bruna.
Apesar da firmeza necessária para lidar com as discriminações diárias, a juíza reconhece que o cenário é cansativo. “O ser humano comporta vários papéis: a Bruna juíza, a mãe, a filha. Em todas o racismo dói do mesmo jeito, mas hoje sei como me portar. Num episódio no Fórum, um advogado chegou pra falar com a juíza: indicaram que era eu, e ele continuou perguntando pela juíza. Fiquei estarrecida, mas minha reação foi respondê-lo da forma mais técnica possível. Obrigo o racista a enxergar que eu estou na escala de poder. A visão dele é tão ofuscada pela cor da pele que só enxerga uma pessoa negra, e não a juíza a quem deve respeitar”, frisa Bruna.
Para ela, por outro lado, ocupar uma posição tão importante no Poder Judiciário é também uma forma de inspirar outros pretos e pretas e contribuir para a derrocada do racismo estrutural. “Estava no meu gabinete e chegou uma mulher com a filha negra de 8 anos, que sofreu bullying na escola. Disseram que ela não poderia ser nada por ser ‘escura’, e ela ficou o dia inteiro tomando banho e passando talco pra clarear a pele. Abri a porta e ela me olhou muito impactada, paralisada, não andava. Chamei ela, elogiei, e ela perguntou: 'você que é a juíza?' Quando confirmei, ela virou pra mãe e disse 'olha, mãe, ela tem a cor igual à minha!' Representatividade importa", emociona-se a magistrada.
“Isso me tocou profundamente, porque me vi nela. Vi que a situação persiste, e ainda mais grave. Na minha época, tinha bullying, mas as crianças não reagiam como hoje. Fiquei pensando na seriedade disso. Negros precisam ver outros negros em outras escalas de poder”.
A mudança dessa chaga social que ainda subjuga, conforme avalia Bruna, é que se proporcione que negros e negras como ela alcancem altas escalas de poder. “É preciso buscarmos essa legitimidade, pra que isso passe a ser algo normal. E como isso vai ser feito? Por meio de uma ação estatal. O Estado precisa ter políticas, ações afirmativas".
Outro fator fundamental é o reconhecimento dos privilégios por parte da classe branca. “O primeiro passo é a sociedade reconhecer: sim, nós somos racistas. Existe uma dificuldade no ser humano em ser sincero quanto a isso. Acredito que num futuro ainda distante isso vai mudar. As ações que tomamos hoje não terão frutos para nós, mas para as gerações futuras”, finaliza.
DN
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